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Bola da Vez

Guilherme Azem, sócio, maestro e compositor da Cabaret

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Em tempos de excesso de estímulos e consumo de conteúdo em tela pequena, o som — e especialmente a trilha sonora — parece ter sido empurrado para um papel quase invisível na publicidade. Mas será mesmo? Para Guilherme Azem, maestro, compositor e sócio da Cabaret, a realidade é bem mais complexa do que a tendência recente das trilhas “silenciosas” ou minimalistas pode sugerir.

Nesta entrevista ao VoxNews, Azem reflete sobre como a fragmentação da atenção, o consumo em smartphones e a busca por audiência massiva têm transformado o uso da música em filmes publicitários — e alerta para os riscos da homogeneização cultural e da confusão entre minimalismo e vazio criativo.

Falamos também sobre o potencial narrativo da trilha sonora mesmo em formatos curtos, o papel do ASMR e da ambient music na publicidade, e como a Cabaret busca equilibrar simplicidade e densidade em suas composições. Tudo sob a ótica de quem acredita que a música, muito além de preencher espaço, é uma poderosa ferramenta para emocionar, conectar e fazer uma marca permanecer na memória.

 

VoxNews – Nos últimos anos, vimos um aumento de peças publicitárias com trilhas mais silenciosas ou quase imperceptíveis. Como você avalia essa tendência e quais os riscos de se confundir silêncio com minimalismo musical?

Guilherme Azem – Eu acredito que temos movimentos simultâneos que explicam, pelo menos em parte, essa tendência. Um deles é que a forma como consumimos conteúdo musical e audiovisual, incluindo a propaganda mudou. Hoje a televisão não é mais o principal meio de acesso a esse conteúdo. É o celular. E o celular é movimento, é liberdade, é inclusive – pequeno. Tela pequena, falantes pequenos que disputam com o resto do mundo que é ignorado em volta. É uma disputa de atenção de frequências e decibéis. Cria-se então o conteúdo pensado para esse novo meio, ou pelo menos versões adequadas. Anúncios mais diretos tanto na imagem quanto no som. É eliminado, subtraído ou sublimado aquilo que é considerado supérfluo ou irrelevante. Na disputa por atenção, prevalece a música com menos elementos sejam eles rítmicos, harmônicos ou melódicos. Outro lado da mesma moeda é a constante busca pelo maior alcance possível do conteúdo, e isso significa adequar-se a um denominador comum dos mais variados gostos. Cria-se, conscientemente ou não, tentativas de homogeneizar e planificar o conteúdo para adequar-se ao maior público possível. No caso da música, tenta-se reduzir a informação musical a um mínimo. Daí claro, se confunde minimalismo com simplicidade, com mínimo e até com silêncio. Quando o minimalismo como movimento musical, não se trata de uma diminuição de camadas.
Quanto a riscos, meu maior receio é a busca por uma audiência massiva, de resposta sempre positiva, acelerar o processo de planificação e homogeneização cultural que já ocorre naturalmente com o globalismo em expansão. Ao invés de celebrar diferenças, consumir sabores e texturas únicas, somos direcionados a consumir fastfood enlatado e industrializado.

 

VoxNews – Você menciona que o minimalismo, como movimento musical, envolve complexidade e intenção. Como traduzir isso em trilhas publicitárias, especialmente em formatos curtos e com foco em atenção dividida?

 

Guilherme Azem – Realmente os formatos curtos e a atenção dividida são uma barreira difícil de derrubar quando se trata de música em geral. Música é tempo. Música precisa de tempo, precisa de ar, precisa de espaço, e sem dúvida essas três coisas nos faltam e muito hoje em dia. Contudo, uma das características mais fascinantes a meu ver do movimento minimalista é da capacidade de, a partir de uma ideia musical simples, criar uma infinidade de variações e iterações. Isso poderia ser facilmente traduzido na publicidade, por exemplo, em campanhas que possuem diversas versões, ao invés de usar a mesma trilha para todos, em cada filme teríamos uma variação do mesmo tema musical. Não se trata de usar o mesmo tema em diferentes gêneros ou com diferentes instrumentações, mas sim uma iteração diferente daquela mesma trilha. Claro, isso pressupõe um acordo financeiro que geralmente não está em questão. Mas é forma de se apropriar de uma das características do minimalismo: criar conexão entre filmes, ligar ideias e dar continuidade, o que permite transcender os formatos curtos.

 

VoxNews – Na sua visão, qual a diferença fundamental entre ambient music, ASMR e o verdadeiro minimalismo? E por que acredita que essas linguagens vêm sendo confundidas dentro da publicidade?

Guilherme Azem – ASMR é um termo que descreve o arrepio, o formigamento, o levantamento dos pêlos no braço, como uma resposta fisiológica seguida de sensação de bem-estar e relaxamento. Uma das formas de se conseguir essa resposta é expondo alguém a certos estímulos sonoros, como por exemplo, sons de sussurro, leves batidas de unha, dedos friccionando sobre texturas, enfim uma infinidade de possibilidades. É importante, porém, que os sons sejam gravados e processados de uma maneira específica para ter mais chance de funcionar. Na produção de conteúdo e também na publicidade passou-se a usar o ASMR, porém na maior parte das vezes, como ilustração do som das coisas. Há um certo prazer em ouvir sons gravados de forma bem próxima e detalhada, isolados do ambiente. Esse tipo de publicidade também tem a vantagem de ser uma produção barata, pelo menos do ponto de vista do áudio. Já a ambient music é um gênero que surge como evolução de contramovimentos e experimentalismos, se distanciando da música narrativa e impressionista. Satie, além de outras coisas, já compunha o que chamou de música de mobiliário ou música de fundo. A ideia era um fundo musical que não atrapalhasse o dia-dia por ser muito complexo e atravancado, eliminando regras, formas e estruturas musicais. John Cage se apropria do conceito e junto com diversos conterrâneos – explicando aqui em forma de forma resumida e grosseira – dividem-se em duas vertentes, a ambient music e minimalismo. Ambos os movimentos têm em comum, a quebra de regras e a liberdade de estrutura e forma. A ambient music se apoia mais na textura na criação de atmosferas sonoras, enquanto o minimalismo se apropria da gradual transformação e extrapolação a partir da mínima ideia musical, seja melódica ou rítmica. 
Confundir ambas é normal e natural. Criam-se limites e barreiras para estudar cada movimento separadamente, mas é claro que existem subversões dentro da própria subversão. Há sobreposições de gêneros artísticos um no outro. 
O mercado publicitário é um grande caldeirão de referências, e ao mesmo tempo que se conectar com o maior público possível é uma meta primordial, é também distinguir-se de todo o resto e apresentar-se como algo único e necessário. É portanto, de certa forma, ironicamente, um lugar de muita experimentação.

 

VoxNews – Em tempos de excesso de estímulos e baixa atenção, que papel você acredita que a trilha sonora ainda pode exercer como ferramenta narrativa e emocional dentro da publicidade?

Guilherme Azem – O som chega para nós antes das imagens. Um recém-nascido ouve, mas não vê. O som e mesmo a música, são elementos muito naturais e presentes tanto no dia a dia, como na natureza. Estamos tão acostumados a esse estímulo que conseguimos processá-lo sem pensar muito sobre. Mesmo com a baixa atenção causada pelas redes sociais, mensagens e reels infinitos pipocando na tela do celular, que nos reduz e nos aprisiona num mundinho tão pequeno, somos capazes de escutar, discernir, nos apropriar e até completar os sons (ou a falta deles) que chegam até nós. Muitas vezes, mesmo no mudo, conseguimos criar mentalmente o som da cena, do ator, e da música que está sendo dançada ou tocada, caso já tenhamos ouvido antes esses sons. A música continuará a fazer na publicidade, e no conteúdo em geral, o papel que sempre fez: potencializar e criar emoções e respostas fisiológicas no interlocutor. Não acredito que isso algum dia vá mudar, esse é e sempre foi o papel da música. Ouvir algo triste quando estamos pra baixo, justamente para se entregar e chorar. Ou pelo contrário algo que nos alegra quando estamos tristes para mudar nosso estado emotivo. Na publicidade, continuaremos usando a trilha sonora com o mesmo intuito dar suporte à narrativa, direcionar a emoção, potencializar a mensagem seja ela qual for.

 

VoxNews – A Cabaret tem uma trajetória marcada por premiadas trilhas sonoras para campanhas de grande impacto. Como vocês equilibram a densidade sonora com a simplicidade esperada por muitas marcas hoje?

Guilherme Azem – Como regra geral, temos em mente que quanto menos elementos uma trilha terá, mais caráter as sonoridades que ficam deverão ter. Seja esse diferencial timbrístico e textural, rítmico, harmônico ou melódico, ou até uma combinação entre todas as características. Quanto menos camadas, acreditamos que o que sobra deve sobressair, chamar a atenção para si, para ter razão de estar ali. Um arranjo denso em camadas é como uma pintura com muitas cores, há muito material para atrair a atenção, já um arranjo mais conciso é uma pintura em preto e branco, é preciso mais sagacidade para atrair o olhar.

Quando temos um projeto onde menos é mais, nos concentramos em dar vida aquelas poucas cores que vamos usar para pintar. Temos uma atenção maior às texturas, timbres, ornamentos, floreios e interpretação.

 

VoxNews – Você falou sobre a estética da simplicidade “pelo consumo”. O que é, para você, um bom exemplo de simplicidade com profundidade? Existe alguma campanha recente da Cabaret que represente bem isso?

Guilherme Azem – Eu acredito que a campanha “Forte são elas” da Almap para Jonnhy Walker foi uma das mais recentes em que conseguimos alcançar um resultado bastante equilibrado, combinando o briefing de uma trilha mais vazia que ainda tivesse bastante caráter, com o desenho inerente à narrativa, necessário para potencializar a mensagem. Também foi o caso de uma campanha em que tivemos bastante liberdade para criar na parte musical e isso faz toda a diferença. O resultado foi uma trilha forte, com poucos elementos e um fio condutor baseado numa ideia musical mínima que gradualmente se complexificava em diferentes iterações. Tudo isso se tratando de um filme que, apesar de longo (algo essencial para desenvolvimento musical), com locução do começo ao fim, algo que sempre dificulta atingir o potencial expressivo de qualquer trilha sonora.

É importante lembrar que tudo isso vem de alguém que ama, vive e respira música diariamente e que gosta de ler e aprender algo novo todo dia, então caso alguém discorde ou queria se aprofundar na discussão as portas da Cabaret estão sempre abertas!

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