Em um momento em que a inteligência artificial avança rapidamente sobre os processos criativos, a OIO, estúdio de ilustração cofundado por Xando Franzolim, reforça a importância do traço humano como diferencial no mercado publicitário. Com um time plural e uma produção que já passou por projetos como a capa da biografia de Martinho da Vila e ilustrações especiais para fãs na CCXP, a empresa tem se posicionado como um contraponto à pasteurização estética que a IA pode gerar.
Nesta entrevista ao VoxNews, Xando fala sobre os limites e as possibilidades do uso da tecnologia na criação, comenta o impacto da autenticidade no briefing das marcas, analisa cases como “The Shakespeare BIC”, premiado em Cannes, e projeta o futuro da ilustração autoral no cenário de transformação digital.
VoxNews – Em um cenário de crescimento acelerado da inteligência artificial, como a OIO equilibra tecnologia e criação autoral para manter a força do traço humano nas campanhas?
Xando Franzolim – Temos a compreensão de que a IA é uma ferramenta que não pode — e nem deve — substituir o pensamento crítico humano, então, a princípio, o uso ainda acontece em pequenos passos e de forma que não prejudique o processo criativo nem o trabalho dos ilustradores. Cruzar alguns dados de pesquisa para gerar novos insights, por exemplo, é um exercício interessante que pode trazer uma perspectiva complementar, mas nossa semiótica não é programável — pelo menos por enquanto — então a participação da IA nos processos ainda é bastante tímida, já que seguimos centrados no olhar e na condução humana.
VoxNews – O estudo AI Monitor 2025 mostra que 67% dos consumidores preferem criações humanas em peças publicitárias. Na prática, como você enxerga essa demanda por autenticidade se refletindo no briefing das marcas?
Xando Franzolim – A criatividade é um asset humano. Mencionei semiótica e reforço novamente o assunto: o ser humano tem bagagem, repertório e história. Você pode programar essas informações em uma IA, mas dificilmente (para não soar prepotente e afirmar categoricamente) alguém conseguirá transformar em algoritmo a forma como costuramos as informações, os improvisos, as famosas “boas sacadas” — e isso faz diferença. Creio que a febre da AI tenha feito a ferramenta entregar muito conteúdo pasteurizado e pouco criativo, o que traz aquele véu de “isso foi feito com AI”, e isso é um valor negativo quando falamos de criatividade. Em Cannes Lions este ano, por exemplo, vi projetos com IA que preservaram a criatividade humana e conquistaram a atenção, então creio que essa exigência por criação humana seja uma forma da demanda cobrar pelo uso responsável da IA.
VoxNews – A campanha “The Shakespeare BIC” uniu IA e curadoria humana e conquistou três Leões em Cannes. Que aprendizados essa experiência trouxe sobre integrar inovação tecnológica e sensibilidade artística?
Xando Franzolim – Aqui a VML Brasil foi mestra. Trabalhar com os manuscritos de Shakespeare dentro de três recursos de IA foi uma escolha que, a meu ver, otimizou o processo de interpretação e resposta da IA para apresentar os primeiros resultados. Mas não parou por aí, pois eles também tinham um especialista em caligrafia para revisar, validar ou corrigir as respostas da IA. Para mim, foi um belíssimo aprendizado sobre uso perfeito de dados (manuscritos de Shakespeare), interpretação de dados (IA reconstruindo partes perdidas) e criação (especialista em caligrafia, desenho das letras finais e ilustrações feitas por um artista e ilustrador).
VoxNews – Como a pluralidade no time da OIO influencia a direção de arte e o resultado dos projetos?
Xando Franzolim – Alcance. Com diversidade de estilos, referências, formação e bagagem profissional, oferecemos ao mercado uma amplitude criativa no universo da ilustração, abrangendo diversos tipos de entregas e atendendo aos mais diversos briefings. Nossa diversidade é combustível criativo.
VoxNews – Muitos trabalhos da OIO carregam conexões emocionais profundas, como a capa da biografia do Martinho da Vila ou as ilustrações para fãs na CCXP. Qual é o papel desse vínculo afetivo na força de uma imagem?
Xando Franzolim – Sempre buscamos manter o profissionalismo e a qualidade, independentemente do envolvimento emocional. Visto isoladamente, um projeto pode parecer mais pragmático e frio do que quando se conhece a história por trás dele. Em produções comerciais, o foco precisa estar no público da marca, e o excesso de emoção pode atrapalhar ao criar algo que atende mais (ou apenas) a quem produz do que para a marca e seu público. Por isso, o ideal é canalizar essa emoção de forma construtiva, usando-a para enriquecer a pesquisa e orientar a execução.
VoxNews – Na sua visão, qual será o papel da ilustração autoral nos próximos anos, diante da expansão das ferramentas de IA generativa no mercado publicitário?
Xando Franzolim – Continuar com seu papel de expressar singularidade, como um antídoto à mesmice de mercado. Um dos motivos pelos quais criei a OIO foi notar a pasteurização de alguns estilos de ilustração em diversas campanhas e conteúdos, com o mesmo traço sendo usado para banco, montadora, bebida ou festival de música, e senti vontade de apresentar um potencial criativo que pudesse oferecer diversidade estética — e essa pasteurização também será característica de quem usa IA como substituto da criação, sem revisar o que está sendo entregue. O mercado pode até abraçar a IA para ganhar escala, mas, quando precisar gerar emoção, mexer com a cultura ou criar algo que não pareça descartável, vai recorrer ao toque humano, pois ainda não foi possível transformar a ‘boa sacada’ em algoritmo.