Redator premiado e com uma trajetória sólida no entretenimento infantil, incluindo campanhas com a UNICEF para o Cartoon Network, Daniel Xavier decidiu ir além da publicidade tradicional para fundar o Instituto Mídia Cidadã. A iniciativa nasce com a proposta de usar a comunicação como ferramenta de educação, jornalismo, cultura e cidadania, especialmente em territórios invisibilizados do Brasil.
Na entrevista a seguir, Daniel fala sobre os dilemas de quem trabalha com publicidade, o projeto Mídias Amazônicas, recém-aprovado na Lei Rouanet, e a urgência de formar uma nova geração de comunicadores com olhar local, propósito social e senso crítico.
VoxNews – O que te motivou a criar o Instituto Mídia Cidadã depois de tantos anos atuando no entretenimento infantil e na publicidade?
Daniel Xavier – Eu amo fazer publicidade. Soube que era com isso que queria trabalhar desde muito cedo. Minha mãe costuma dizer que, quando pequeno, eu só calava a boca na hora dos comerciais. Mas, apesar de toda essa certeza e paixão, sempre convivi com o questionamento do valor social da minha profissão – e acredito que este seja um sentimento comum entre muitos de nós.
Antes de ir para a in-house do Cartoon, eu passei por agências de propaganda onde trabalhei com todos os tipos de clientes. Entre eles, marcas de bebida alcoólica, de cigarro e governos. A certa altura, me dei conta de que, se a comunicação pode convencer as pessoas a comprar o que não precisam, cultivar hábitos nocivos à saúde e votar em políticos corruptos, pode ser igualmente eficaz para inspirar a fazer o bem.
VoxNews – O Mídias Amazônicas é um projeto que nasce com forte propósito de representatividade. Como vocês pretendem garantir que essas vozes locais não apenas se expressem, mas também sejam ouvidas nacionalmente?
Daniel Xavier – O Mídias Amazônicas é o nosso primeiro grande projeto, que acaba de receber aprovação para captar pela Lei Rouanet. O Norte do país é a região com mais municípios sem qualquer veículo de comunicação, segundo o Atlas da Notícia. Consequentemente, a Amazônia é retratada por olhares que vêm de fora.
O Mídias Amazônicas pretende capacitar e equipar o povo amazônico a falar por si mesmo. Vai oferecer oficinas de jornalismo a 10 entidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas, fornecer equipamentos de captação audiovisual e produzir 10 mini- reportagens, que serão editadas em um documentário. A ideia é entrar no circuito cinematográfico, inscrever em festivais e, eventualmente, chegar à TV, por meio de canais parceiros, além de outros veículos de comunicação e das próprias mídias digitais do Instituto. É uma iniciativa transformadora porque não acaba quando termina: a capacitação obtida por essas comunidades pode originar novos veículos de comunicação na região e continuar dando frutos após o fim do projeto.
VoxNews – Como sua experiência no Cartoon Network, especialmente nas campanhas de ESG com a UNICEF, influenciou a concepção do Instituto e seus projetos?
Daniel Xavier – No final dos anos 2000, sugeri criarmos uma campanha de responsabilidade social no Cartoon. Naquela época, a pauta ESG ainda não estava tão popularizada no Brasil; o termo ESG foi criado apenas em 2004 pela ONU e pelo Banco Mundial.
Como falávamos com o público infantil, achei que fazia todo o sentido. Assim surgiu o Movimento Cartoon, selo de responsabilidade social do canal. Produzimos campanhas sobre obesidade infantil, preservação ambiental e combate ao bullying, todas premiadas internacionalmente. Trabalhei em parceria com a UNICEF, embaixadora da ONU, diversas ONGs e governos. Utilizar a comunicação em favor do bem comum se tornou a maior realização da minha vida profissional. Continuo trabalhando nas campanhas ESG do Cartoon, mas senti que queria fazer ainda mais, e aquela experiência virou a semente do Instituto Mídia Cidadã.
VoxNews – O Instituto tem quatro pilares principais: educação, jornalismo, cultura e cidadania. Qual deles você acredita que exige maior urgência hoje no Brasil?
Daniel Xavier – Nosso estatuto nos define como uma entidade voltada à educação. Mas nós temos uma concepção particular e mais abrangente sobre ela. Educação, como pensamos, não significa apenas aprender a ler e escrever, somar e subtrair. Uma reportagem jornalística educa. Um musical educa. Uma campanha de responsabilidade social educa. Nosso déficit educacional, informacional, cultural e cívico é tão importante que fica difícil priorizar um pilar; afinal, acredito que os quatro são intimamente interligados. Mas, se tenho que escolher um, responderia que a urgência é a educação, pois sintetiza todos eles.
VoxNews – Num cenário de crescente desinformação, como o Instituto pretende usar a linguagem audiovisual para gerar engajamento crítico e promover uma mídia mais cidadã?
Daniel Xavier – Em primeiro lugar, eu acho que a desinformação, o próprio excesso de informação, os conteúdos criados com e por IA, entre outros fatores, vão tornar a curadoria e a confiança nos veículos de mídia cada vez mais importantes. Pela nossa natureza sem fins lucrativos, penso que estaremos mais isolados dos interesses econômicos, e isso é uma vantagem. O segundo aspecto é que, apesar da internet, o Brasil continua entre os países democráticos com a mídia mais concentrada do mundo, e o Instituto chega para somar na criação de uma comunicação mais plural, mais representativa. Acredito que o simples fato de estar diante de múltiplos pontos de vista já estimula, na audiência, o engajamento crítico.
Por último, e não menos importante, estamos desenvolvendo campanhas de educação midiática para ajudar as pessoas a navegarem melhor em meio a tanta oferta de informação, a utilizarem as mídias com maior responsabilidade e a reduzirem o efeito prejudicial que esta nova realidade, que fica mais complexa a cada hora, exerce sobre cada um de nós, nossa sociedade e nossa democracia.